Quando que eu iria imaginar que após ter estudado inglês por vários anos, ter me licenciado como professora dessa língua, ter passado com êxito no Proficiency e no TOEFL, ter dado aulas durante doze anos no mesmo curso que me formei aos 17 anos de idade, e ter praticado a língua diariamente durante os cinco anos que morei na Inglaterra, que eu acabaria morando num país – casando com um nativo e tendo filhos – onde a língua oficial é o Alemão?!?!? Pois é, por essa nem eu nem ninguém esperava. Que ironia do destino, não?
Aprender outra língua naquela altura do campeonato? Sempre li em várias revistas de ensino de línguas estrangeiras que após os trinta anos é muito mais difícil a assimilação de uma língua estrangeira. Especialmente se ela é a primeira a ser aprendida. Pelo menos neste último quesito eu não me enquadrava. Só me restava pensar positivamente e acreditar no fato que toda boa regra tem sua exceção. Até hoje confio neste pensamento! Parece que tudo já estava mesmo de uma certa forma planejado. Houve um tempo, enquanto eu ainda trabalhava como engenheira no Rio, que comecei a aprender alemão com Milu. Afinal eu sempre fui interessada em línguas em geral, e Milu queria continuar praticando a língua das “aftas ardem e doem!”. Aprendi muito com a Milu naquelas amigáveis aulinhas particulares, nos nossos horários vagos após o almoço. Mas, se eu tivesse ao menos desconfiado da hipótese de que num futuro não muito remoto, teria de usar o alemão no dia-a-dia, talvez tivesse investido um esforço maior nas aulas. É sempre assim, como mamãe diz, "o se eu soubesse chega sempre atrasado”!
Pois é, não deu para fugir. Após passar um bom tempo me comunicando somente em inglês, percebi que não havia mais razão para evitar o fato de que eu teria mesmo de aprender alemão. Entrar num cursinho de alemão para estrangeiros nem foi ruim. Até que foi bem divertido. Eu, como sempre, fui uma aluna aplicada, fazia os trabalhos de casa e entendia o que me era explicado com rapidez. O difícil mesmo foi eu entender que o alemão não era somente para ser falado e praticado dentro da sala de aula, mas em todos os outros lugares fora também! Foi duro! Passei bastante tempo me rendendo ao prazer dos austríacos de praticar comigo quer seja o inglês polido dos amigos acadêmicos, assim como o inglês um pouco enferrujado de outros, aprendido durante os nove anos do ensino fundamental de segundo grau.
O que fazer, Darling? Todo mundo quer falar comigo em inglês. E é claro que eu também prefiro… - No trabalho? Nem pensar que eu vou falar alemão com os colegas de trabalho! Pelo menos, não enquanto eu não puder dominar completamente a língua…
Como toda taurina, sempre fui decidida e cabeça-dura. Na verdade, eu não queria me sentir inferior! Já bastava o fato de vir do terceiro mundo, e ter de explicar (?!?) a nossa alta taxa de marginalidade, miséria e a devastação da floresta amazônica para todos os curiosos e muitas vezes mal informados. Mas, em compensação, sempre mantive os pés no chão. Sabia que em breve chegaria o dia que teria de ceder ao alemão, mesmo com erros - e acreditem, com muitos erros! Êta linguinha difícil! Pior que ela, só mesmo o português. Pois o dia chegou! E chegou sem aviso prévio. Muito mais rápido do que esperava, tive que começar a levar meus filhos aos médicos sozinha, participar de reuniões de pais, resolver probleminhas escolares, e fazer compras na feirinha de fazendeiros, onde o inglês não tem a menor chance…
Foi na Áustria que me veio então bem claro a expressão bastante usada pela minha avó paterna: “parece um burro olhando para um palácio”. Assim, ela sintetizava a ignorância de alguém em relação a um assunto qualquer que não lhe fosse trivial. Sempre achei aquela comparação de burro e palácio meio apelativa demais. Pois, bastou uma vez eu, recém chegada, participar de um encontro de amigos do Erhard para me ocorrer perfeitamente toda a essência do significado do burro olhando para o palácio. Eu era o burro em pessoa! O palácio era a mesa redonda que eles formavam numa conversa super animada de final de festa, óbviamente em alemão, onde eu não entendia patavinas!
Atualmente a coisa já melhorou bastante. A minha encarnação de burro já não acontece mais. Aos poucos me qualifiquei como integrante do palácio. Contudo, ainda sinto que tenho muito que aprender para poder me fazer perfeitamente entendida. Volta e meia ao conversar com os amiguinhos da escola dos meninos, sinto que os olhares deles expressam dúvida. Não muito raramente percebo que eles comentam baixinho entre eles: “o que ela quis dizer com isso?”
Outra situação na qual eu ainda não consegui vencer a barreira da linguagem, é quando vou ao cabelereiro. Esta semana tive uma experiência trágica, quando resolvi experimentar um salão de beleza novo num shopping center da cidade. Expliquei a mocinha que me atendeu exatamente como queria que meu cabelo e minhas sobrancelhas ficassem, após o seu trabalho. Ela parecia entender tudo bem direitinho e concordava com aceno de cabeça à todas as minhas observações, com ar de mestre. Fiquei tranquila, me larguei na cadeira confortável do salão, deixando minha cabeça cair para trás, onde tive o cabelo lavado, massageado, cortado e as sobrancelhas feitas. Tudo parecia correr bem até a hora em que me olhei no espelho. Quase desmaiei! Minha densa sobrancelha com look selvagem que tanto amava foi devastada por completo. Dela só me restaram dois riscos de espessura mínima, lá em cima no começo da testa. Quanto ao cabelo, fiquei entre Betty Boop e um rabino conservador com várias vírgulas em partes diferentes da cabeça e duas pontas compridas na frente enroladas em espiral, no mínimo cinco dedos mais longas do que o resto… Que desespero! Afinal, tudo o que eu queria – e que achei ter explicado com sucesso à jovem cabeleireira – era um corte channel mais moderno com a parte da frente um pouco mais longa do que a de trás! Nem preciso dizer que saí do shopping numa volúpia só, morrendo de medo de encontrar alguém conhecido.
Cheguei em casa acabada, peguei a tesoura e, com ajuda do Darling, aparei as pontas excedentes para salvar um pouco a situação. Ele tentou me consolar, mas acabou se enrolando… “Não ficou tão mal. E afinal, você ainda pode deixar de se olhar no espelho. Imagine o meu caso que tenho que olhar para você assim”... Eu queria morrer! Enfim, já me recuperei. Agora só me resta esperar o tempo passar e rezar para tudo voltar a ser como antes. Tomei, entretanto, algumas providências que me pareceram necessárias: encomendei um óculos de sol king-size para usar na fase de crescimento das sobrancelhas, desliguei a minha web-cam do computador para não ter de me mostrar durante um bom tempo nas ligações via skype, e liguei para a Elke para marcar novas aulas de conversação em alemão. Sugestão do tema para a primeira aula: Uma visita ao cabeleireiro!
texto original escrito em 04/05/2007
7 comentários:
Adorei! Valeu a intenção do Erhard! Homens...
Não desligue a webcam,não?! Bobagem... o cabelo cresce e as sobrancelhas também. Beijos. Jackie
Oi Jackie!
Valeu pela skype-call seguida do seu comentário.
Que bom que eu fiz você rir!
Beijos nas 3!
Fátima,
Sempre pensei que a língua mais difícil de se aprender fosse o Japonês!
Minha irmã mora no Japão... Faz uns 20 anos para mais...
Imagina ela que não sabia uma vírgula de inglês, e nem japonês como deve ter sentido esse burro que vc falou aí???
Pena né???
Ah! Concordo com a Jackie... Cabelos e sombrancelhas crescem depressa... Os meus adoram uma tesoura... Qto mais se corta mais crescem... E as minhas sombrancelhas sempre foram iguais a sua, mas depois que aprendi a fazê-las, ficaram iguaizinhas as suas ao saírem do cabeleireiro!!!
Me senti vc!!!
bom fds!!!
Oi Mylla!
O Japonês deve ser realmente muito mais difícil, pois nem temos mais o mesmo alfabeto para nos basearmos...
Beijos!
Fátima,
Adorei o texto, até pq trabalhos com língua estrangeira e sei o sufco dos aluns para aprender. Atualmente tenho um aluno alemão que está no Br e está passando maus bocados para aprender português. A camila mesmo levou um tempo cm o alemão, e ainda acha q o inglês dela é melhor.Linguinha danada essa, heim? Espero que as sobrancelhas já tenham crescido,rsrsr
Olá!
Cheguei aqui por causa da expressão "um burro olhando um palácio" que era utilizada pela minha bisa e continuou na família... Gostei muito do seu blog e resolvi ficar por aqui também!
Um abraço,
Márcia
Oi Márcia!
Seja bem-vinda!
Beijos
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