Se existe um período no qual o espírito de patriotismo me toma por completo, posso dizer que este ocorre de quatro em quatro anos, quando o Brasil participa com a sua seleção de futebol na copa do mundo. Não pense que sou expert em futebol. Isso não! Nunca sei quando os grandes times jogam e que jogadores pertencem a eles. Nem tão pouco conheço as suas classificações nos campeonatos. Entretanto, quando a copa do mundo se inicia, rapidamente me informo sobre o técnico e os jogadores escalados para a seleção. Leio sobre seus currículos esportivos, seus fortes e suas fraquezas profissionais. E, sempre que possível, comento com amigos sobre esses personagens tão importantes de nossas vidas – pelo menos até a copa acabar, ou melhor, até uma derrota nos tirar do páreo. Analiso suas participações nos jogos mais recentes, aumentando assim gradual e consistentemente o meu conhecimento na questão. Acompanho de longe os resultados dos jogos de outros países e, conforme já era de se esperar, nunca perco um único jogo do Brasil. Tenho certeza que não sou a única a fazer isso.
Ainda me lembro da Copa de 98, a minha primeira copa do mundo casada, morando na Áustria e ainda por cima mãe. Markus era um bebê de quase seis meses. Num dos jogos do Brasil, eu assistia ao jogo pela televisão sentada no sofá da sala com Markus no colo. O jogo não estava lá essas coisas. Meus comentários um tanto radicais contra os que jogavam fora do esperado, meus comandos – como se eles me escutassem! - e gritinhos esporádicos chamaram atenção do Erhard que já se encontrava na sala a me observar. Não pense que ele também estava querendo assistir ao jogo,. Isso não. Entre seus interesses, o futebol não se encontra. Também, é de se entender. Com aquele seu time nacional de futebol, não existia motivação que resistisse!
- “Vai lá! Bola pra frente!… Vira o jogo!… Mas que droga de jogo é esse?!??!”, Dizia eu já com o sangue esquentando nas veias. A cada chute ao gol, eu me empolgava e fazia menção de me levantar do sofá e pular de alegria. Mas logo que a tentativa fracassava, voltava eu desanimada e me ajeitava novamente no sofá. Markus, sempre no meu colo, não parecia estar ligando muito para o senta-levanta. Erhard empalidecia. De quando em quando ele dizia: “Calma, relaxa! É só um jogo de futebol… Os vizinhos daqui a pouco vão achar que você está passando mal com esses gritinhos!”
Não dá para explicar para quem não é brasileiro, o sentimento que temos em relação ao nosso futebol, quando é copa do mundo. Assim como, o orgulho que nos invade quando falamos sobre as nossas várias e – quase sempre – merecidas vitórias de copas anteriores. Nunca tirei da memória a euforia e a felicidade do povo carioca nas ruas em blocos improvisados de carnaval, festejando a vitória da Copa de 70 – que timão aquele! E eu era uma criança, mas aquele dia me marcou. Era uma alegria contagiante, como se por algumas horas o Brasil se desprovesse de todos os seus problemas mais básicos e cruciais, para alimentar a alma com um sentimento inigualável de contentamento e de orgulho patriótico. Também me recordo da tristeza que levou muitos de nós a ter os olhos cheios d’água, quando perdemos para Argentina na Copa de 82. Logo para a Argentina!!
Markinhos também acompanhava de olhos bem abertos toda a evolução daquele jogo do Brasil em 98. Acho que ele estava até se distraindo muito com o meu estado um tanto frenético de lhe dar o colo naquele dia. Acredito que desde aquela copa, ele embutiu em seu espírito o amor que tem até hoje por esse esporte. Na escolinha de futebol ele é artilheiro e – sem exageiros – um dos melhores. Lukas também segue o mesmo caminho. Em campo ele atua melhor na defesa ou como goleiro. Porém, quando lhe é dada a chance de jogar no ataque, ele se esmera ao máximo e sempre faz ótimas jogadas. Neste aspecto, para minha alegria, nenhum dos dois sairam ao pai.
Um penalty se aproximava. Wow! Foi marcado um penalty a favor do Brasil! Eu estava radiante. Era a grande chance de um primeiro gol naquela partida que não ia lá bem das pernas. – “Fatima, me dê o Markus. Acho que ele vai ficar mais seguro no meu colo”. Disse o Erhard mais do que depressa ao perceber o que poderia acontecer. - Goooooolllll! Com os braços livres e consciente de que já não segurava mais o menino no colo – apesar do Erhard sempre contar que eu teria reagido da mesma forma com ou sem o Markus - pude pular empolgadamente e celebrar o gol com toda a satisfação de um bom torcedor, já pegando a bandeira para pendurar na varanda. Do outro lado da sala, pai e filho me olhavam espantados. Era mais um choque cultural que ali se apresentava…
Já em 94, a passagem da copa do mundo se deu para mim de uma forma muito especial. Nesta época, eu morava em Londres e dividia o apartamento com Malu, uma amiga gaúcha que assim como eu, também estava cursando o doutorado no Imperial College. Malu recebia visita de sua irmã e seu cunhado, vindos do Rio Grande do Sul. Eles se hospedavam conosco no apartamento de Elm Park Gardens. Aquele apartamento era sempre "bem frequentado". Não me refiro à qualidade somente, mas também e principalmente à quantidade de pessoas que por lá passaram. Recebemos várias visitas de amigos naquele endereço. A maior parte era de brasileiros e italianos. Todos muito queridos e agradáveis, faziam parte de nossa rotina por algum tempo e nos supriam de humor e carinho, renovando a força que pecisávamos para atingirmos os objetivos que traçamos para nossas vidas. Apesar de ter sido por um lado dura e difícil, aquela época em Londres foi bastante dinâmica e talvez uma das mais interessantes de minha vida.
Antes de dividir o apartamento com Malu, já havia morado lá com a Alessandra e com a Ana Maria, duas primas integrantes da nossa grande comunidade de amigos italianos, então residentes em Londres. Naquele período recebemos por várias vezes, parentes e amigos italianos como hóspedes e aumentamos ainda mais nosso círculo de amigos desta nacionalidade. É claro que eles também eram apaixonados por futebol, principalmente na copa do mundo! Assim, em 94 resolvemos assistir aos jogos do Brasil e da Itália juntos, formando um grande grupo de torcedores animados lá no nosso apartamento. Até aí tudo bem. O problema aconteceu quando o Brasil chegou na final da copa do mundo, juntamente com a Itália!!! Por essa ninguém esperava! Já deu para entender o drama, não? Como iríamos então, num evento tão importante para todos nós como o jogo final da copa, deixarmos de assistir “Brasil x Itália” juntos com nossos melhores amigos, torcedores do outro time: os italianos?!?!? Nem pensar! Seria trair nossa amizade!
Nosso visitante gaúcho, mal podia acreditar no que estava acontecendo. – “Como guria? Tu estás de brincandeira, não?? Vamos assistir ao final da Copa com o apartamento cheio de gente torcendo pelo time oposto???” Malu e sua irmã tentavam acalmá-lo, mas para ele a situação estava simplesmente insuportável. –“Como vamos - logo hoje - deixar italianos entrarem aqui???” - Confesso que foi a primeira vez que vi um gaúcho sair do sério. Longe de tentar entrar no espírito esportivo e amigável daquela situação, ele se coçava de inquietação com toda aquela estória que para ele mais parecia um pesadêlo estonteante.
Aos poucos nossos convidados e amigos chegavam para a grande final. Entre brasileiros e italianos, também se encontravam gregos, indianos e ingleses. Decoramos o apartamento todo com bandeiras e fotos de revistas, de nossos jogadores em ação. Mássimo, um amigo napolitano com grande senso de humor, não perdeu a oportunidade para virar as setas com os nomes dos países, que indicavam onde as duas torcidas poderiam assistir ao jogo separadamente, caso fôsse necessário. Logo percebi que a seta indicando Brasil apontava então não mais para a sala de estar, e sim para o banheiro!?!??! - “Tás vendo. Já começou a tortura…”, dizia o nosso amigo visitante gaúcho em cócegas. E assim passamos todo tempo anterior ao início do jogo fazendo brincadeiras uns com os outros, contando piadas, beliscando e bebericando num clima bem relaxado. Como eu disse, isso se deu até o jogo começar. Bastou escutarmos nossos respectivos hinos, para que o sentimento de patriotismo baixasse por completo em todos nós. Mesmo assim, começamos a assistir o primeiro tempo todos juntos na sala, pois afinal éramos todos amigos, acadêmicos e acima de tudo civilizados. Jogo vai, jogo vem e a tensão tomou conta do ar que respirávamos. Já não conseguíamos mais encarar uns aos outros de frente, sem pensarmos na disputa pela vitória. Todos os comentários e gritos se misturavam naquela sala: “Vai lá, vai lá…! Vai que é tua!”, “Barbaridade! Que estupidez!”, “Forza Itália!”, e assim foi. Nos toleramos num nível educado, porém tenso, até o final do primeiro tempo. Durante o intervalo, percebemos que éramos simplesmente humanos e resolvemos que seria melhor para as duas torcidas se sentirem mais a vontade, que usássemos o plano B. Assistimos então o segundo tempo em cômodos separados. Os gritos, chingamentos e estímulos devotados aos jogadores em campo, ficaram então mais liberados no segundo tempo e começaram a sair com mais emoção e também cada vez mais altos. O clima era tenso próximo dos dois aparelhos de televisão. Os olhos nem piscavam. No entando, entre nós o efeito de separação funcionou excepcionalmente bem. Quem se aventurava a perder alguns minutos da transmissão para ir ao banheiro ou beber alguma coisa na cozinha, passava pelo cômodo da outra torcida e sempre fazia então um comentário de suporte, como por exemplo: - “Tá difícil, não?”, “Os dois times estão jogando muito bem!”, “Na verdade acho que os dois mereceriam ganhar…” – Ganhar que nada! Pelo menos não no tempo regulamentar. Para quem ainda se lembra, em 94 a final entre Brasil e Itália foi disputada na prorrogação, com penalties. Fato que, na verdade, serviu de consolo para todos nós amigos e torcedores dos times opostos. Concordamos que o jogo foi difícil para os dois lados, e que apesar do Brasil ter ganho na disputa final de gols, foi uma questão de pura sorte… - “Nesse caso foi ótimo a sorte ter sido nossa!” Pensei eu e com certeza também o nosso visitante gaúcho. Mas isso não comentamos em voz alta. Claro que não! Afinal, o papa pode morar na Itália, mas como se acredita no Brasil: “Deus é brasileiro!” Posso concluir que com a Copa de 94, confirmei dois ditos populares na prática: 1. “O importante é competir! Não importa se perdemos ou ganhamos – até o dia que realmente perdemos!!!”; “2. Quando se trata de futebol o melhor é sempre ter: "amigos, amigos, torcidas à parte"!
14 comentários:
Fátima,
Sua história está muito divertida, e muito bem escrita! Eu tbm fico impossível em época de copa do mundo, é nacionalismo puro...quando a gente está fora do país isso aumenta!!!
Xô, xuá cada macaco no seu galho...
Bjs,
Marta
Olá Fátima,
Dei boas risadas com o seu relato! Fiquei imaginando as cenas muito bem descritas por vc, na sala de sua casa com seus filhos e marido,
sua vibração versus o espanto por não entender a euforia brasileira diante de uma bola a rolar..rs
Amo esportes em geral, e o amor por futebol é herança deixada por meu pai, que sempre foi Santista, e eu fui Santista só até ele falecer. Virei a casaca, e tormei-me Corinthiana.. hahah!! (Salve o Corinthians o campeão dos campeões... assim diz o hino)
Mas minha admiração vai só até um limite, acompanho os campeonatos e gosto de saber em que posição se encontra o G4, os primeiros colocados na tabela. Meu olhar sobre esse esporte é estatégico, não me aprofundo muito, porque sei que chegarei até aos cartolas, os donos do jogo, a máfia que comanda a dinheirama. Fico só até onde esse sentimento de amor futibolístico uni as massas e nos confraterniza em níveis toleráveis,
adorei ler esse texto!
olha isso que lindo...
http://www.youtube.com/watch?v=kHdJR6iUBFM
eu amei..
Olá Amigos,
leitores de posts compridos!
Obrigada pelos comentários.
Ester: Adorei o anúncio da T-mobile gravado na Trafalgar Square! Essas coisas só acontecem em Londres mesmo... Ai que saudades!
Fatima que foto linda do seu perfil!
Amei esse post! Já havia passado por ele, mas a 'longura' rs e o tema que não me encanta muito me fez parar em outros textos seus. Mas hoje resolvi te dar um voto de confiança e não me arrependi :) Ri muito das suas peripécias e desse seu jeito gostoso de contar uma historia!
Entendi perfeitamente seu dilema, vivi algo parecido pois estava na França dentro de um Café cheio de franceses logico rs, quando o Brasil perdeu para França :(
Aí voce pode imaginar minha situação né? :)
Tou contigo, futelbol na Copa do Mundo é quando gosto de futebol!
beijos
Oi Mírian,
Pois é posts longos muitas vezes assustam sim...
Posso imaginar o seu dilema sim... aquela derrota foi triste!
A foto do perfil foi tirada num dia de carnaval. O chapéu era minha fantasia.
Beijos
Oi Fatima!
Tem Selo para vc lá na Galeria..
passa lá para pegar!!
Bjks!
Pois eu tenho umas histórias assim parecidas. A minha mãe é francesa então nos vários França- Portugal imaginas que não é fácil :-) Grande história. Abreijos de Lisboa,
Fernando
Oi Ester,
Obrigada!
Bjs, Fatima
Olá Fernando!
Eu imagino sim como deve ser...
Obrigada pelo comentário e por seguir o "Boa Baltazar".
Abraços,
Fatima
Tô seguindo teu blog...e sigo só os bons...!Abraços.
ninobellieny.blogspot.com
Umblog encontra outroblog que encontra mais outrosblogs e juntos tecem a Gr@nde Rede.
Nino Bellieny
Caro Nino Bellieny,
Obrigada pela visita, pelo elogio e por seguir o "Boa Baltazar".
Vou visitá-lo assim que tiver tempo.
Abraços.
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