Quando Amanhã é Tarde Demais...
(texto original escrito em 18/05/2007)
Muitas vezes deixamos coisas importantes de nossas vidas para fazermos amanhã ou depois. Acreditamos sempre que o amanhã é certo, e que nada poderá nos acontecer até o amanhã chegar. Um erro grave! Na verdade, deveríamos sempre tentar fazer hoje as coisas que consideramos significativas. Se possível agora! Deveríamos deixar para amanhã somente aquilo que realmente pode esperar.
Há uns vinte anos atrás, percebi que nem sempre o amanhã acontece como pressupomos. Era domingo de carnaval e estávamos tomando café da manhã em casa. Naquele carnaval tínhamos como visitantes os nossos amigos americanos. Já era a terceira vez que Ben e Mary visitavam o Rio, mas era a primeira que ficavam hospedados conosco. Havia pouco menos de uma semana que eles haviam chegado no Rio. Nós já tínhamos passeado de carro, de metrô e a pé no centro da cidade, na zona sul, no bairro da Tijuca – onde já morávamos deste então, na Barra e na floresta da Tijuca. Tínhamos também ido à praia algumas outras vezes, sempre nos horários dos bebês e com muito cuidado para não causar queimaduras nos nossos amigos bem branquinhos, que na época deveriam ter entre 60 e 65 anos. No dia anterior havíamos visitado Teresópolis de carro: eu, eles, papai e mamãe. Fomos no carro do papai com ele dirigindo. Eu, sempre muito animada, mostrava os pontos turísticos e fazia a tradução necessária do que era dito em português no carro. Todos nós nos divertimos bastante. Foi um lindo passeio.
Na mesa, uma seleção típica brasileira de café da manhã, com bastantes frutas tropicais, sucos, café, leite, manteiga, geleia, presunto, queijo de minas, queijo prato e pão francês fresquinho da padaria da esquina. Tudo estava acontecendo conforme o planejado. À tarde passearíamos na zona sul para vermos o movimento do carnaval de rua e à noite iríamos a um baile de carnaval num clube do bairro. Conversávamos sobre temas variados, quando Ben se levantou para tomar seu remédio no quarto em que dormia e Mary o seguiu. Papai então me perguntou: “Você já contou para eles que foi a minha firma que instalou a sonorização do aeroporto internacional?” – “Não”, respondi, “mas acho que agora eles vão querer trocar de roupa. Não quero forçá-los a voltar à mesa do café para continuar a conversar… Amanhã ou mais tarde me lembre de tocar nesse assunto, ok?” Papai era orgulhoso dos trabalhos bem sucedidos de sua firma e gostava de usá-los, sempre que possível, como cartão de visitas. Comentar sobre a instalação sonora do aeroporto com os americanos iria com certeza lhe fazer feliz.
Conheci Ben e Mary no Rio, no carnaval de 1976, durante o desfile das escolas de samba. Estávamos sentados ao lado deles, no mesmo setor das arquibancadas que na época eram montadas sobre o mangue da avenida Presidente Vargas. Mary talvez pudesse se passar por nativa – não fosse por suas roupas bem diferentes das usadas localmente. Ben, todavia, com seus quase dois metros de altura, sua fivela de cinto com a gravação da bandeira dos Estados Unidos e sua pele cor de rosa, já queimadinha de sol das praias dos dias anteriores, revelava no primeiro instante que era um gringo. Que sorte a deles de se sentarem ao lado de uma adolescente faladeira, que cursava os níveis finais de seu curso de inglês e tinha a maior vontade de praticar a língua com "native speakers"!
Na primeira oportunidade, eu me apresentei a eles e comecei a conversar. Eles eram reservados, mas acho que perceberam que não havia razão para não confiarem numa menina curiosa, aparentemente inofensiva, que assistia ao desfile do carnaval com sua mãe, sua irmã e sua tia. Passamos toda a noite conversando sobre o Rio, o povo carioca, o carnaval, as escolas de samba, e sobre os enrêdos dos sambas – que eu tentava sempre explicar para eles detalhadamente, durante os longos intervalos de espera entre uma escola e outra. Adorei conhecer Ben e Mary. Antes de nos despedirmos naquele dia, trocamos nossos endereços e continuamos então nossa contato por correspondência. Daquele encontro casual, uma grande amizade se desenrolou. Em 1984, visitei-os pela primeira vez em New Jersey, onde moravam numa fazenda em Pennington. Aproveitei uma viagem que fazia a trabalho em Connecticut, e tirei mais um mês de férias para visitá-los e depois descer até a Florida, passando por Washington e Atlanta. Em 86, eles nos visitaram, naquele carnaval que comecei a descrever. Em 87, eu, mamãe e uma amiga da universidade tiramos férias juntas nos Estados Unidos e os visitamos na fazenda e também em Carolina do Norte, onde já haviam comprado a casa que atualmente moram. Em 94, eles me visitaram em Londres, de passagem numa excursão que fizeram pela Europa. Em 91, estiveram conosco no Rio mais uma vez de férias. Nesta ocasião eles também conheceram o Erhard, que já existia em minha vida e se encontrava no Rio comigo de férias. Em 95, voltaram ao Rio para serem padrinhos do nosso casamento e ficaram conhecendo os pais do Erhard que também estavam lá pelo mesmo motivo. Em 2001, vieram à Áustria nos visitar e também conhecer Markus e Lukas. Agora está na minha vez de visitá-los. Falei com eles por telefone na semana passada e prometi que não vou fazê-los esperar mais. Já comecei a providenciar o meu visto, para poder aproveitar qualquer promoção de viagem de última hora que me apareça.
A amizade que cultivei com Ben e Mary com toda certeza tem um grande significado para mim. Pensando bem, eles quase sempre estiveram presentes nos momentos importantes e também difíceis de minha vida. Naquele domingo de carnaval em 86, papai saiu de casa após o café da manhã para passar na firma, conforme fazia quase todos os dias. Ele foi e nunca mais voltou. Um ataque cardíaco fatal o levou de nós, naquele mesmo dia em que os planos eram bem diferentes do que os fatos que se sucederam. Naquele dia, em que o amanhã teria sido necessário, para poder fazê-lo mais orgulhoso e feliz junto aos amigos que nos visitavam, foi para ele tarde demais. E de uma certa forma para mim também…
Aprendi! Nunca mais deixei algo significativo para amanhã. Tento sempre viver intensamente todos os momentos que considero importantes, sem nem pensar em deixar alguma parte para fazer depois. Ontem mesmo, fiquei muito feliz de saber que minha cunhada organizou uma festa surpresa de aniversário para o meu irmão, reunindo os amigos mais próximos e a família. Na parede do salão da festa, uma faixa enorme decorava a mesa do bolo com os dizeres: “Feliz Aniversário! Te adoramos!” Legal, não? Afinal, para que esperar um melhor momento, ou uma melhor situação financeira? Lembrem-se, amanhã pode já ser tarde demais! - “Pai, onde quer que você esteja, saiba que você nunca saiu do meu coração!"
6 comentários:
Um abraço quentinho.
Oi, Anunciação. Obrigada pelo abraço e pela visita. Outro para você.
A saudade as vezes bate mesmo... Seu texto é muito bonito e verdadeiro. O hoje é o dia mais importante,por isso se chama presente!!
Beijo pra você. E obrigada por tudo.
Ligia, "Hoje vai dar certo!!!" Beijinhos.
P.S.: Visitei o seu blog e adorei todos os seus posts e as fotos!
OI, Fátima!
Como vc está? Foi muito bom estar com vcs na quarta, como sempre. Eu nao percebi que vc nao estava bem. Como sempre, dou tantas risadas com vc...
como a sua amiga comentou, um abraco também nao tao quentinho (que inverno!!) para vc do fundo do coracao.
Marcia
Oi Márcia!
Que bom receber também sua visita aqui! Obrigada pelo abraço morninho e pelo carinho. Claro que eu estou bem. Foram só 5 minutos e se despediram com o sono daquele dia...
Mas a vida é assim mesmo com muitos ups and downs.
Foi ótima aquela tarde! Precisamos planejar outras!
Beijos, Fatima
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